Crédito foto: Acervo pessoal do lutador
As lutas de MMA (Artes Marciais Mistas) conquistaram o público mundial, principalmente no Brasil que tem lutadores ao redor do mundo com cinturões em diversas categorias. Raymison Bruno "Formiga”, 24 anos, é um atleta que visa ao glamour das lutas, mas também ser exemplo na sociedade, figurando um papel de incentivador.
Raymison Bruno "Formiga" – como é mais conhecido – revela o outro lado do universo das lutas. Longe daqueles holofotes do UFC, a vida real de um lutador, seus desafios e a dificuldade de viver praticando o esporte de maneira profissional no Brasil; também nos conta seus planos para o futuro e como pretende ajudar a comunidade.
Início
Quando pequeno, aos 12 anos de idade, Formiga era uma criança hiperativa – como dizem hoje em dia; ao acaso descobriu o Jiu-Jitsu – luta marcial japonesa – e gostou de praticá-la. Sem muitas projeções, continuou treinando e conquistando faixas. Não demorou muito para perceber que aquilo poderia servir como seu trabalho. Começou a disputar campeonatos juvenis, ganhou títulos, tais como Campeonato Amazonense em categorias distintas com o passar dos anos. Tornou-se um atleta promissor ou melhor, uma realidade.
Raymison ao lado de seu treinador em 2012, quando foi campeão brasileiro de Jiu-Jitsu aos 20 anos
Contato com o MMA
Com fama na cidade de Manaus, fez amigos de outros esportes, já que treinava intensamente na academia.
Certa vez, surgiu uma oportunidade oferecida por um amigo lutador de artes marciais: “Você não gostaria de lutar? Seu jitsu é muito bom!”, disse o amigo. Refletiu que precisava de dinheiro, então aceitou. Primeira luta, nocaute, ganhou de maneira incontestável.
Campeão do It's Time Combat contra Boizinho - o melhor na categoria do estado do AM na época
Primeiro desafio
Foi ganhando apreço pelo labor, e mais uma vez foi convidado para lutar artes marciais, agora para enfrentar um lutador considerado o melhor do estado do Amazonas, só que na categoria 52Kg. Ué? Sim, na época Raymison pesava 65Kg. Diminuir 13Kg em um mês foi uma dificuldade, porém conseguiu e ganhou de novo.
Formiga finalizando o oponente com um mata-leão
A vida como lutador de MMA
Ganhou seis lutas consecutivas no AM, então seu amigo Naldo Silva (atual campeão Peso Galo do Jungle Fight) o convidou para treinar em uma academia, até aí tudo bem. No entanto era em Curitiba, sair da úmida floresta amazônica para o frio do sul brasileiro foi um choque.
Foi treinar na academia do coach Cristiano Marcelo (ex-lutador), e lá começou uma vida distinta da que vivia em Manaus.
Como já era conhecido no Amazonas, tinha alguns patrocínios que o ajudavam. Formiga recebia mensalmente R$ 200 e alguns produtos para sua dieta. Nada mais. Acabou indo dormir dentro da academia e chegou a trabalhar como segurança para levantar algo a mais. “Eu tive que me virar em Curitiba, fui trabalhar”, afirmou o lutador. Um drama de quem sonhava lutar. Dormir no colchão em cima da academia, acordando e treinando, logo após trabalhar como segurança. Essa foi uma das lutas que o jovem travou em sua vida; se não fosse a vontade de vencer, teria desistido de seu sonho.
“Foi difícil conseguir patrocínio no Amazonas, ainda é. Eles até patrocinam lutadores, só que do UFC”, ressaltou Formiga
O sonho se tornou realidade
Treinava intensamente, em busca de um sonho que a cada treino viria a tornar-se realidade, conseguir patrocínio e disputar lutas no exterior.
Conseguiu, em 2015, a equipe CM System, na qual treinava em Curitiba, o selecionou e lhe inscreveu no Pancrase 268 – evento de lutas marciais mistas japonês – pois tinha a categoria Palha em que Formiga lutava.
Cartaz da luta no Japão em que Formiga participou
Foi viajar, mas como era sua primeira luta no evento, os custos da viagem ficariam por sua conta. Levantar R$ 15.000 para uma viagem até o Japão não foi fácil. Entretanto, com muito esforço e conversas conseguiu da prefeitura de Manaus uma ajuda para bancar a viagem – o atleta iria levar o nome da cidade para o exterior. “Foi muito difícil, eu teria que conseguir o valor para a viagem também do meu treinador, mas se ganhasse lá teria chances de patrocínio e estabilidade no MMA”, comentou o lutador.
Formiga à direita com sua equipe no Japão, liderada por seu treinador Cristiano Marcelo
Conseguiu lutar, mas por um detalhe do destino, acabou errando um golpe e acertando outro baixo no adversário. “Eu nem tive a intenção, pegou nele, eu errei, mas nem foi para tanto como o adversário sinalizou”, se defendeu Formiga; entretanto, o jovem brasileiro contestou, conversou com os juízes, e o resultado: S resultado. Exatamente, não perdeu assim como não ganhou. Aliás, foi convidado para esse ano de 2016 lutar no Japão de novo, ou seja, acabou se saindo bem.
Formiga no Pancrase 268, no qual disputou no Japão e 2015
Problemas com drogas
Formiga começou se drogar – cannabis –, devido a uma série de fatores, dentre eles, um foi logo após a morte de sua avó que o criou desde os 12 anos, uma forma de apaziguar a dor. “Gostava muito da minha avó, ela foi tudo para mim, me apoiou, me deu forças quando precisava. Fiquei muito mal com sua partida, foi um momento de perdas”, contou o lutador. De fato, foi um baque para o jovem. No entanto outras situações fizeram com que o consumo se tornasse constante. “Pessoas do meio da luta e de fora me ofereciam, mas logo vi que estava atrapalhando os treinos, e que se continuasse iria me prejudicar muito”, disse Formiga.
“Parei sozinho, amadureci muito, contava com amigos me dando força, os de verdade, e claro, com Deus, busquei me equilibrar e propus um foco em minha vida, me tornar campeão nas lutas. Creio que isso me ajudou a parar e hoje nem sinto mais vontade de usar", contou Formiga.
Dificuldade financeira
Formiga luta também em outros torneios de MMA, como o Mr. Cage (AM) no qual é campeão desde dezembro de 2015.
Raymison comemorando mais uma vitória
As lutas oferecem bolsas aos atletas campeões, dinheiro que não é suficiente para o sustento. Muitas vezes os lutadores fazem uma maratona de lutas, de três a quatro no mesmo dia. Os ganhadores chegam a levar R$ 8.000, em períodos de ''vacas gordas'', mas o desgaste por parte do lutador é enorme. Nariz quebrado, fraturas no corpo, recondicionamento pós-luta, tudo é um gasto a parte, o lutador que banca na maioria dos casos.
“Na realidade não ganhamos dinheiro no Brasil, nós sobrevivemos. Tudo que ganho é investido em minha carreira”, afirmou Formiga. O jovem batalha para conseguir patrocínios que o auxiliem nas lutas. “Falta apoio para buscar alguém que me ajude, pode ser no marketing, na preparação, no que seja para auxiliar no crescimento de minha carreira”, ressaltou o lutador.
Campeão do GP de MMA em Manaus; contou com a ajuda de Alexandre Pitbull e do ex-TUF Erick Índio
O lutador negocia quanto está disposto a receber caso ganhe a luta, no caso do Mr. Cage, segundo Formiga, ganham ingresso para poder receber mais dinheiro, pois, recebem apenas uma parte no momento em que fecham o acordo para a luta. Agora, Formiga vai lutar em Manaus, em um espaço para 30 mil pessoas e recebeu uma quantidade X de ingressos que serão vendidos por ele, à venda por R$ 20. “Normalmente, quando recebo os ingressos as lutas custam de R$ 40 a R$ 60, esse por R$ 20 vou conseguir vender mais”, comentou o lutador.
Como ele consegue vender esses ingressos? “Muitos amigos compram e gostam de assistir minhas lutas e um vai contando para outro e assim consigo”, disse Formiga.
Ídolo de Formiga, o lutador Wanderlei Silva - um dos melhores da história no MMA - pasou pelas mesmas dificuldades enfrentadas hoje pelo jovem lutador.
Crédito foto: Reprodução Instagram do lutador
Novas batalhas
Hoje Formiga vive em Manaus, treina na equipe Team Cardoso. Faz aulas de outras lutas que envolvem as lutas marciais, tanto é que também pratica luta olímpica. “Meu foco são as lutas mistas e torneios na Ásia, porque lá eles têm torneios em minha categoria (Peso Palha), pagam bem e pretendo fazer uma carreira fora do Brasil”, afirmou o lutador.
Painel motivacional de Formiga com suas principais medalhas e cinturão do Mr. Cage
UFC
Não tem a categoria até 52Kg, o menor no evento é o Mosca que é 56Kg, quatro acima. “Fico no aguardo do UFC liberar a minha categoria, seria importante para mim”, comentou o lutador. O Ultimate Fighting Championship é o maior evento do mundo, televisionado para centenas de países e uma vitrine para patrocinadores que buscam jovens talentos.
Ser exemplo
“Quero ser exemplo para muitas pessoas no MMA, principalmente, crianças que veem como o esporte que mais cresce no mundo e mostrar a eles que apesar de muitas lutas, é possível se consagrar campeão”, afirmou o atleta. Pós-carreira, Formiga tem um plano: ajudar moradores de rua e crianças por meio do esporte que o ajudou a sair e superar as dificuldades.
Raymison recebendo de seu professor a faixa preta no Jiu-Jitsu
“Eu sinto que posso fazer a diferença se der o meu melhor, além do mais, ajudar as pessoas por meio do esporte é um sonho que tenho. Quero que olhem minha história, assim como vi a de outros lutadores, e levem para sua vida um olhar de que é possível realizar seus sonhos”, concluiu o lutador.
Opinião do autor
Quando vemos atletas da luta nos veículos de comunicação, uma coisa é certa: dinheiro e luxo. Sim, uma parte, ou melhor, minoria. Muitos atletas passam por desafios enormes, tais como Formiga enfrentou: drogas, falta de dinheiro, patrocínio para questões básicas para um lutador (suplementos). É uma jornada difícil e requer empenho, além de sorte.
Ao me deparar com a história de Formiga, vi como essa parte da vida de um lutador é negligenciada, deixada de lado ou evidenciada de uma maneira penosa, triste. Por trás dela existem personagens que o ajudaram ao longo da carreira, desafios enfrentados com dor visando à vitória que aos poucos vai se desenhando em sua trajetória. Sou apenas um instrumento, a fim de mostrar a realidade, o outro lado da história.
Aprendi com ele sua verdadeira luta: “Na realidade Evandro, não ganhamos dinheiro no Brasil, nós sobrevivemos".
Inspiração?
Conhece mais histórias assim de atletas ou é um que enfrenta ou já enfrentou problemas e desafios? Conte a sua história.
* As fotos expostas nessa matéria são de acervo pessoal do atleta.
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