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Como podemos aprender com os ingleses a conter violência nos estádios?

Written by Alyson Oliveira | 20/jul/2017 15:02:00

Crédito foto: Getty Images

Não é de hoje que somos obrigados a assistir cenas lamentáveis de brigas entre torcidas no futebol brasileiro. Entra ano, sai ano, e as mesmas pessoas que depredaram parte do estádio ou arena de seu clube, participaram de atos de vandalismo para com torcedores adversários entre outras coisas, continuam indo aos estádios normalmente.

Nestas últimas rodadas do Campeonato Brasileiro, seja na Série A ou B, infelizmente tivemos de nos deparar com cenas de selvageria. Na B, a torcida do Internacional, irritadíssima com os maus resultados do clube em casa, já vinha vaiando os atletas no fim de alguns jogos e, nas três últimas partidas no Beira Rio, perderam a paciência e partiram para a ignorância. No empate sem gols com o Paraná (20/06), cadeiras foram arrancadas e arremessadas no gramado, quase duas semanas depois, uma derrota para o Boa Esporte–MG por 1 a 0 fez com que torcedores entrassem em conflito com a Brigada Militar que fazia a segurança do local. Houve tentativa de depredação do Beira Rio. Depois disso, o máximo que aconteceu foi o Ministério Público pedir a proibição de dez pessoas identificadas de irem à praças desportivas.

Na primeira divisão, as cenas lamentáveis vieram através torcida do Vasco, no clássico contra o Flamengo realizado em São Januário, no último dia 08. O estádio cruz-maltino se tornou palco de guerra entre os torcedores vascaínos, irritados com a derrota do clube para o rival Rubro Negro, e o policiamento que fazia a segurança. Após o apito final, torcedores começaram a atirar objetos e bombas no gramado, algo que poderia ser evitado, já que são feitas revistas pelos policiais na entrada dos jogos. No início do ano, torcedores de Botafogo e Fluminense também entraram em conflito após o clássico pelo Campeonato Carioca, que terminou com a vitória Tricolor por 3 a 2. No último clássico entre Palmeiras e Corinthians, um torcedor do Verdão morreu após ser esfaqueado por torcedores rivais depois do apito final, já no caminho de volta para casa. O detalhe é que, em São Paulo, por uma determinação da justiça, os clássicos são jogados com torcida única.

Em 2009, na “Batalha do Couto Pereira”, torcedores do Coritiba invadiram o gramado após o empate por 1 a 1 com o Fluminense, o que decretou o rebaixamento do Coxa para a Série B do ano seguinte. Em 2013 foi a vez dos torcedores de Atlético–PR e Vasco protagonizarem cenas lamentáveis na Arena Joinville, o que deixou quatro pessoas feridas e paralisou o jogo logo aos 17 minutos do primeiro tempo, quando os paranaenses venciam por 1 a 0. São vários os casos e, se fôssemos enumerar aqui, esse texto ficaria bem maior. Mas, o que acontece com os responsáveis por isso?

Os clubes são denunciados no Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD), punidos com multas, perda de mando de campo em algumas rodadas e...só! E quanto aos vândalos que causam tudo isso? Não é raro, mas poucas são as vezes em que são punidos. A sentença de seis torcedores que participaram da “Batalha do Couto Pereira” saiu apenas em março deste ano, com condenações de até oito anos de prisão. O que o Estatuto do Torcedor diz sobre segurança e, também, sobre punições?

Art. 13. O torcedor tem direito a segurança nos locais onde são realizados os eventos esportivos antes, durante e após a realização das partidas.

III - consentir com a revista pessoal de prevenção e segurança;

VI - não arremessar objetos, de qualquer natureza, no interior do recinto esportivo;

VII - não portar ou utilizar fogos de artifício ou quaisquer outros engenhos pirotécnicos ou produtores de efeitos análogos;

VIII - não incitar e não praticar atos de violência no estádio, qualquer que seja a sua natureza;

IX - não invadir e não incitar a invasão, de qualquer forma, da área restrita aos competidores.

Parágrafo único. O não cumprimento das condições estabelecidas neste artigo implicará a impossibilidade de ingresso do torcedor ao recinto esportivo, ou, se for o caso, o seu afastamento imediato do recinto, sem prejuízo de outras sanções administrativas, civis ou penais eventualmente cabíveis.

Mas, na prática, tudo isso funciona no Brasil? Se voltarmos alguns anos no tempo, talvez não seja necessário responder a essa questão. Porém, apesar de nos orgulharmos em ser o país do futebol, berço de tantos craques que brilharam e brilham nos gramados da Europa, qual o problema em aprendermos um pouco com eles?

Há 42 anos, durante a final da Liga dos Campeões da Europa entre Liverpool (ING) e Juventus (ITA), os poucos policiais que faziam a segurança do evento não foram capazes de evitar as 38 mortes de torcedores, além de 454 feridos, sendo 270 hospitalizados, causadas pelo massacre o qual a torcida organizada do time inglês, conhecida como Hooligans, levou a culpa. Como punição, o clube italiano ficou proibido de participar de competições internacionais por cinco anos, já os Reds foram banidos por seis anos. Isso não foi bastante para acabar com a selvageria dos torcedores ingleses e, quatro anos depois, 96 deles, dos Reds, morreram esmagados e asfixiados antes e durante a partida válida pela semifinal da Copa da Inglaterra entre Liverpool e Nottingham Forest, o que ficou conhecido como “A Tragédia de Hillsborough”.

A tragédia foi o ponto crucial para que mudanças drásticas ocorressem com o intuito de acabar com as brigas de torcidas na Terra da Rainha. Peter Taylor, um importante juiz da corte britânica, escreveu o que ficou conhecido como o “Relatório Taylor”, e ajudou a moldar o que vemos hoje nos estádios ingleses. Aumento no preço dos ingressos, capacidade de torcedores reduzida, instalação de cadeiras para que todos fiquem sentados, retirada dos alambrados para evitar esmagamentos e, o mais importante, um sistema de câmeras que monitora todos os passos do torcedor, desde a parte externa até as tribunas. Há, ainda, o banimento de torcedores envolvidos em atos violentos, que precisam se apresentar à polícia no momento em que seus times estão jogando, caso o jogo seja em outro país, o passaporte deve ser entregue a uma delegacia cinco dias antes da partida.

Toda essa mudança começou nos anos 1990 e, de 2000 a 2013, a polícia britânica já havia prendido 46 mil torcedores por atos de violência, 55% foram pegos dentro dos estádios, o restante, fora. As condutas passíveis de prisão ajudaram muito as autoridades a alcançarem esses números. É uma média de 3.500 torcedores por temporada, contando todas as divisões inglesas. Na temporada 2012/13, 2.456 pessoas foram presas, com a maioria resultando em Ordens de Banimento do Futebol (FBO, em inglês). O período de afastamento do torcedor que for pego brigando varia entre três e dez anos e, para quem não respeita a regra, acaba preso e processado.

O clamor por leis mais rígidas não é de hoje. O que vemos no Brasil são multas de, no máximo R$ 500 mil aos clubes, poucos jogos com portões fechados, torcidas organizadas proibidas de ir aos jogos uniformizadas, ou seja, continuam lá, só não são identificadas. Não significa que a torcida organizada é culpada por atos de barbárie, são alguns torcedores, sejam de organizada ou não, por isso o monitoramento por câmeras, como é feito na Inglaterra, é tão importante para identificar apenas as pessoas que vão aos jogos com outra intensão que não seja a de apreciar o espetáculo.

O jornalista Mauro Cézar Pereira falou sobre as cenas protagonizadas pelos cariocas no “Clássico dos Milhões”: “Alguém vai dizer: ‘Ah, mas São Januário...’. O problema não é São Januário! Se você pegasse os mesmos torcedores e colocasse em uma arena padrão FIFA, a porrada iria comer solta do mesmo jeito, meu amigo. Se você tem milhares de pessoas que querem brigar, que estão se desentendendo, não tem estádio que dê jeito”.

Galvão Bueno, no programa Bem Amigos, do SporTv, cobrou rigor das autoridades: “Selvageria, vandalismo, ódio, violência, palavras que não rimam com futebol. Eu não posso aceitar que tenha trabalhado 43 anos me comunicando e dividindo emoções com esse tipo de gente, marginais, vândalos e acima de tudo covardes, porque só são fortes quando são em maioria e por isso são covardes”, disse o apresentador. Sobre os dirigentes, Galvão disse que a torcida organizada é usada com interesse político, já que a maioria dos clubes as financiam.

A punição do Vasco saiu na última segunda-feira, 17: multa de R$ 75 mil e perda de mando de campo em seis jogos, ou seja, terá de jogar a 100 quilômetros da cidade do Rio de Janeiro, mas terá sua torcida.

Realmente, deveríamos aprender mais com os ingleses.

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