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Carta aberta: O relato de um voluntário das Olimpíadas Rio 2016

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Crédito foto: Alex Ferro | Rio 2016

Não, não foi fácil ser voluntário nas Olimpíadas e alguns até largaram o navio ancorado no Porto do Rio de Janeiro e outros abandonaram a embarcação em alto mar. Talvez boa parte destes voluntários têm sua certa razão por terem feito isso, mas outros nem tanto... Infelizmente, muitos pegaram o uniforme e nem se quer apareceram para trabalhar, mas pela boa educação que meus pais e professores me deram, consegui cumpri a minha escala de trabalho do primeiro até o último dia – mesmo recebendo apenas UMA alimentação da organização dos Jogos e tendo que arcar com café da manhã e almoço com o dinheiro do meu próprio bolso – por esses e por outros motivos que falarei abaixo não condeno quem pegou o boné e foi para casa.

Certamente a pergunta que eu mais escutei quando contava para alguém que eu iria trabalhar nas Olimpíadas Rio 2016 foi: o que você vai ganhar com isso? Você pode não acreditar, mas a palavra ‘’voluntário’’ é muito mais do que a palavra ganhar. Existe um preconceito gigantesco quando se fala em ser voluntário, mas a vida me ensinou que há experiências que dinheiro algum compra.

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Crédito foto: Getty Images

Sim, mostramos ao mundo que o que mais sabemos fazer é festa e como sabemos. Mas, e como foram as coisas por de trás das câmeras? E os voluntários que dizem que são tão importantes para os Jogos? O agradecimento no encerramento era esperado, mas é pouco para tudo que fizemos nesses dias olímpicos. Não foi fácil ser voluntário. Não condeno quem pegou o boné e foi para casa.

Pois bem, se você é um cara ou uma mulher bem informada saberia que nós, voluntários, não tínhamos um lugar para se hospedar. Sim, eu também li antes de me inscrever bonitão. Infelizmente só os atletas olímpicos tinham a Vila Olímpica para se hospedarem – local para tomar banho e dormir fica por conta do voluntário mesmo e não importa se você é de outra cidade (sou paulista) – graças a Deus tive duas pessoas que me acolheram em sua casa em Ipanema: Mariana Pacheco Hatamura e Kadu Relvas Barral. Sem eles, esse sonho de fazer parte das Olimpíadas Rio 2016 não seria possível e não poderia deixar de mencioná-los aqui.

A jornada de trabalho nos Jogos não foi nada fácil. Foram longas nove horas de trabalho. Passei todos esses dias em pé + três horas de transporte público de ‘’casa’’ até o Parque Olímpico da Barra, ou seja, metade do dia em pé e na rua. Em média andava 15km. Houve dias em que meu corpo pediu arrego, mas consegui me manter firme e forte ou me recuperar em dias de folga – nada como ter apenas 23 anos – , mas nós, voluntários, não éramos apenas jovens. Havia ali idosos, que por sinal tinham a mesma jornada de trabalho que nós, jovens, algo totalmente desumano. Não condeno quem pegou o boné e foi para casa.

Meu cargo de voluntário era como Event Service (Serviços do Evento), na prática era responsável pelo recebimento e atendimento do público em geral na área comum do Parque Olímpico da Barra. Seja você visitante famoso, atleta ou gente comum como a gente. Para exercer o cargo tivemos um treinamento presencial que deixou a desejar, que ocorreu duas semanas antes dos Jogos (no meu caso), e que talvez nem deva ser chamado de treinamento.

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Crédito foto: Divulgação | André Motta

Me lembro do meu primeiro dia de trabalho quando apenas me falaram: preciso de alguém ali. Vai para lá e nada mais. Simples assim. Aprendi o serviço sozinho mesmo e quem me ajudou foram os próprios expectadores. Perguntas a cada instante foram me tornando ‘’dono de informação e referência’’ para os perdidões de plantão. Muitas destas perguntas foram feitas em português, espanhol, inglês, russo e até chinês, mas confesso que estes dois últimos idiomas não rolaram – ainda não sou um poliglota. Espero um dia ser, quem sabe – , mas a mímica também foi indispensável. Uma linguagem universal. Me lembro de um chinês fazendo mímicas de levantamento de peso, logo entendi e pude dar a informação para o amigo dele que falava inglês.

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Crédito foto: Getty Images

Agora respondendo à pergunta que tanto vocês me perguntam, vamos lá: adquiri experiência de vida, melhorei a fluência em outros idiomas, abri ainda mais a minha cabeça, me deparei com situações inusitadas, dei muita risada, fiz amizades maravilhosas, joguei Imagem & Ação. Não, pera – quase isso –  além disso, quebrei aquela rotina que você tanto reclama sabe? E o principal: fui feliz por fazer parte do maior evento esportivo do mundo em meu país.

O Brasil está onde está por falta de bom senso e compaixão ao próximo. É roubalheira para tudo que é lado. O jornal relata todo santo dia que há uma nova corrupção, mas mesmo com essa crise interminável, mais de 70 mil pessoas se candidataram para serem voluntários nos Jogos. Será que todo mundo precisa roubar para viver bem e ter dias melhores? Não.

O grande problema que persiste no Brasil é que há muitas pessoas despreparadas que estão onde não deveriam estar. É assim que vemos na política e nos Jogos não seria diferente. Ao mesmo tempo em que eu trabalhei com voluntários incríveis, tive o desprazer de trabalhar com pessoas que se achavam muito mais do que eram e faziam de tudo para atrapalhar a vida dos outros. Nariz empinado não faltou por ali. Se você quer conhecer o ser humano dê o poder a ele.

A líder que eu tive mais prazer de trabalhar nos Jogos se chamava Bethânia Lara Vasconcelos, ex-atleta de basquete. Uma pessoa que tinha noção de que nós não éramos escravos, mas apenas voluntários com boa vontade e acima de tudo seres humanos. Ela foi uma das poucas que ali dentro conquistou o meu respeito e sabia de fato o seu papel de líder e parceira.

Ser voluntário nas Olimpíadas parece ser legal e foi, mas não é a única forma de ajudar o próximo. Há pessoas precisando de seu apoio. Há crianças querendo um minuto de sua atenção para brincar ou simplesmente dependendo do seu tempo e bom senso para levar um simples prato de comida ou pão com café com leite debaixo da ponte, juntos seremos mais fortes. A vida não é só festa ou Olimpíada. Precisamos mostrar ao mundo que sabemos nos reerguer como uma nação. Essa é a medalha que falta.

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Categorias: Olimpíadas, Brasil, Rio 2016, Jogos, Jogos Olímpicos, Voluntário, Jogos Paralímpicos

Caique Cobra

Escrito por Caique Cobra

Caique Cobra é formado em jornalismo pela FIAM FAAM, atleta de CrossFit e Gerente de Conteúdo no Esportudo.com. Seus textos são embasados por dentro de análises, críticas e opiniões com um olhar meramente desmistificado.

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